sexta-feira, abril 30, 2010

Mapas

Eu meio que deixei a mala ali, arrumada, no pé da cama, porque parecia que era mais difícil, muito mais difícil, ir tirando uma por uma as coisas que eu já tinha separado. Grandes viagens que eu não faria. E eu sentia como se tivesse um mapa aberto me indicando todas as direções e eu sem ter um lugar pra ir, levar uma bandeira e dizer que alguma montanha era minha, sem direito de verdade. Eu tinha uma vontade enorme de te chamar pra fugir comigo, porque você fazia todos os lugares mais claros, eu sempre tive medo do escuro e faltava luz no meu quarto que já não era nem meu. A minha cama com o seu cheiro roubado, sem você nunca ter nem encostado nela, me chamando pra deitar e dormir mal, dormir pouco, dormir triste, derrubar copos, estragar livros, destruir histórias, procurar sonhos que tenham caído pra baixo dela como animais de pelúcia, estofados e com os olhos vidrados parecendo os meus que eu não tirava de cima de você nem por um segundo, tão feliz por essa proximidade, sempre uma companhia pra eu levar depois na memória e trazer pra esse espaço todo que não é meu e que me dá medo de noite e de dia nunca tem sol nem nunca tem graça. Tinha alguma coisa horrível naquela mala assim, tão pronta pra eu pegar e sair correndo e que eu devia mesmo esvaziar, pares de meias que eu não ia usar, e os livros que eu tinha que ler de qualquer jeito, e os remédios esperando por perto pra eu não deixar nenhum vício pra trás. Como se fosse assim tão fácil como eu olhando pela janela e procurando nas ruas próximas um caminho pra onde quer que fosse meu, sem força pra sair daqui. Sem a chave pra fechar a porta e sem a coragem pra deixar tudo escancarado, como se a casa me gritasse saudades, como se ela engolisse meus gritos e perguntasse pra todos os travesseiros do lado de dentro se eles sabiam o que tinha acontecido comigo. Mas os móveis não respondem mais. Param de falar na hora em que eu sair daqui. Param de gritar meu nome. O seu nome. As histórias que eu roubei, só lendo em voz alta esse monte de parágrafos únicos, de pontuações confusas e de poucas maiúsculas, que parecia um livro perdido, descascado folha por folha pelas paredes dessa casa que não é mais minha, e minhas unhas arrancando a pintura pra colocar na mala, junto com as sobras da páscoa, as lembranças do natal, saudades do ano novo e meu aniversário que parecia que nunca mais ia chegar. Eu não olhava, pra não ter que colocar as coisas de volta no lugar. Nos tijolos, nos cabides, nas gavetas e sem saber onde guardar a vontade do que não aconteceu. Só sempre esperando de longe, de leve, esse motivo sonoro e alto pra eu sair daqui e encontrar em qualquer outro lugar um canto onde eu possa sentar sem dar respostas, sem machucar, sem mentir, e sem inventar histórias pra poder segurar sua mão.


Henrique Rochelle