domingo, dezembro 23, 2007

Cama E Travesseiro

Ele acordou com o barulho da chuva batendo direto na janela, que nem estava inteira fechada. Sentia-se estranho. Tinha algo de errado. O problema não era com os sonhos, nem mesmo com a chuva que entrava molhando, malas, mesas e o chão todo. Havia algo errado. Mas sem saber o que era, ele fez a única coisa sensata: se levantou e fechou a janela. Ele parou na frente dela, olhando através do metal que era agredido pela água. Pensava em coisas distantes. Havia algo errado. E não era o frio que ele sentia, com os pés no piso molhado. Olhou em volta, avaliando o estrago. Nada que não seque, nada que tenha sido perdido. E ainda assim, ele sabia que alguma coisa continuava errada.

Em dúvida, ele voltou pra cama. Não estava com frio. Não estava calor demais. Nada de errado com o cobertor. Talvez fosse o colchão. Talvez fosse a cama em que ele dormia todo dia havia muito tempo. Mas ele sempre viu algo de errado nas camas. As camas nunca eram certas. Não importa que tivessem um tamanho padronizado, o tamanho nunca era certo. É... devia haver algo de errado na cama... ele deitou acabado de sono, mas não conseguia dormir. Tinha algo estranho ali. Algo de fora do lugar. Algo suspeito e absurdo. Tão absurdo que ele não achava motivo. Tão absurdo que ele não sabia o que poderia ser.

E então ele não dormia, porque havia algo errado na cama. Algo incômodo. Uma ervilha debaixo do colchão? Não... mas tinha algo estranho. E o que é que era isso que não deixava que ele dormisse? Quem era o responsável por isso? Ele ficou deitado olhando o teto. Abstraindo. Esquecendo quem ele mesmo era. Se perdendo entre a tinta e os defeitos da pintura. Horas imaginando o que seria o problema. Nada de solução. E as coisas continuavam fora do lugar, erradas e mal-feitas.

Só depois de muito tempo é que ele virou pro lado, se agarrou ao travesseiro e finalmente dormiu, assustado e com remorso, porque havia algo de errado em sua cama. Ele estava magoado. Ele estava com pena dele mesmo. E o que poderia fazer? Ele nem sabia o problema. Era a mesma cama em que ele dormia toda noite. E, agora, pensando direito, parecia que esse incômodo sempre estivera lá. Um defeito da cama, só podia ser. Tinha de ter algo fora do lugar pra que ele não pudesse dormir. Algo de muito errado.

Ele finalmente dormiu, agarrado a um travesseiro, agarrado à esperança de que o problema se resolvesse. Ele se agarrou ao travesseiro, se encolheu e dormiu, num canto da cama. Ele não soube imediatamente, mas foi nessa hora que ele entendeu o que estava errado. Nessa hora, se agarrando ao travesseiro no canto da cama ele viu que o problema não era da cama, mas do que dormia nela. O problema era que aquela cama de solteiro tinha espaço demais só pra ele. Não que ela tivesse um tamanho maior, o problema era quem a ocupava.

Naquela noite, sozinho, encolhido e abraçando o travesseiro, ele entendeu, pela primeira vez, que na cama havia espaço pra mais um. E não havia ninguém para ocupá-lo. Ele achou o erro, a falha no plano. Mas, sem resolução, saber a falha era só mais uma das coisas que o manteve acordado nos dias seguintes, enquanto ele esperava que um dia não fosse um travesseiro que ele abraçaria para dormir...

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Parabéns, você está se tornando um autor pirado no melhor estilo "Adaptation." ou "Stranger than Fiction". É muito gostoso fazer isso, embora acredite que não seja recomendado pela ABRAP e pela ABPMC.

Talvez a tarde de sábado em que eu dormi mais gostosamente foi uma de janeiro de 2006 e, adivinha só, eu estava abraçado a um travesseiro, que preencheu todo o vazio que eu sentia na época (embora, claro, isso não queira dizer que eu mantive/ mantenha qualquer relação sexual com o travesseiro e/ou alguma outra peça do tipo cama-mesa-banho).

Suas prosas estão cada vez mais dignas de gente perturbada (isso é um graaaande elogio, acredite); parabéns!

=*

23 dezembro, 2007 20:29  
Anonymous Anônimo said...

Eu disse que voltaria!
;D

Optei por não dormir essa noite.
É o último dia do ano, e eu quero fazer algo diferente. Só pra me lembrar.

Algo idiota, que seja, mas que eu me lembre.
Vários foram os últimos dias do ano que eu pretendia me lembrar do que fiz neles, e eu só consigo me lembrar que ano passado só refleti uns 20 minutos antes da meia noite [ou menos] e durante uns 2 minutos, no máximo. [O que ñ tira a diversão dauqle dia, é claro]

Ano retrasado, eu me lembro de estar deitada na cama da minha mãe pensando, ouvindo música alta e escrevendo.
Nos outros anos, ñ sei quantos, mas só si que refletia no último dia.

Ah, esse ano, na segunda-feira de carnaval, eu estudei química. Eu nem gosto da matéria, talvez por isso ainda me lembre.
Essa noite, eu ja assisti filmes, seriados do sbt, tomei banho frio há uns 15 minutos e pensei.

Eu pretendo ler alguns posts, escrever um pouco da minha retrospectiva 2007, escrever um pouco da sua carta [é, eu também ouço aquele "aleluia" de fundo"], e caminhar lá pelas 6 e pouca da manhã.

E o texto é uma delícia!
Acho que ele é, ou já foi comum à maioria das pessoas.
Parece trecho de livro, sabe.
Ah!
É de vc que eu to falando.. explicado.

31 dezembro, 2007 03:18  

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