domingo, outubro 09, 2005

Madeira Morta

Madeira morta. Nada vivo, então não se sentia culpada de pisar. A escada circular subia, como sempre fizera, em direção ao sótão. Sentira naquela manha a necessidade de ir lá. Não seria a primeira vez, aquele lugar e toda a sua poeira, toda a sua velhice acumulada a fascinavam. Era um sótão aparentemente retirado de um filme dos anos 90: janela redonda, poeira por todos os lados, baús, dois manequins femininos (dos quais um se encontrava em estado de putrefação, mas que não havia sido retirado porque não era dela, e ela não mexia nas coisas dos outros), moveis cobertos por lençóis... podia se esperar que um morcego aparecesse, mas era improvável porque não havia entrada de ar no cômodo, ou até que ela ouvisse vozes desconhecidas e fosse perseguida pelos fantasmas dos antigos donos da casa que convenientemente seriam de uma religião satânica estranha e teriam se preparado para voltar a vida quando uma jovem sem grandes intenções como ela entrasse naquele sótão, que era também o jazigo de seus corpos, mas esse tipo de coisa é ridículo demais para acontecer (e ela adoraria poder dizer isso para os diretores desses filmes dos anos 90). Ela era apenas uma mulher comum que gostava de vasculhar as coisas do sótão, que passaram a ser dela quando comprara a casa (a antiga dona disse que era da família dela, mas como não gostava deles deixaria lá...). Não seria a primeira vez a entrar naquele sótão, escolher um baú e ver o que havia dentro, alem dos usuais animaizinhos estranhos, então não se importou em perder muito tempo com esses pensamentos de morcegos e assombração... era apenas um sótão, de entrada, escada, chão e baús de madeira morta.
A janela emperrou como sempre, e os raios inesperados de luz a fizeram fechar os olhos, apressada e irritada, no entanto sorrindo. O sol iluminava, diretamente metade do sótão, decidiu abrir um baú daquele lado, aproveitando que os manequins ficariam longe dela e ela, sinceramente, não gostava deles. Ajoelhou-se, ignorando que suas roupas ficariam encardidas e levantou a tampa do baú. Pela primeira vez um baú resistiu ao seu toque. Teve um sentimento estranho de rejeição. Acalmou-se, afinal era só um baú trancado. Talvez por estar trancado, a quem pensava que enganava... era obvio que foi porque ele estava trancado, interessou-se mais por ele do que pelos outros...


Decidiu chamar um chaveiro... não! Não dividiria aquele momento com ninguém. Mas ainda não sabia como abriria o baú sozinha. Sentou-se na poeira pensando. Pensando nos motivos do baú estar trancado, no que havia dentro dele, mas não em como o abriria. Duas horas depois ela estava olhando dentro do misterioso baú. Como o abrira não era importante, nem eu o sei. Mas ela olhava seu conteúdo mundano com honra e admiração. Algumas dezenas de cadernos muito velhos, preenchendo o volume daquele invólucro de madeira morta. Desinteressante, aparentemente. Até decepcionante, talvez. Mas não para ela. Ela sabia apreciar a beleza dos cadernos do baú que ela abrira não sei como.


O primeiro caderno que pegou começava com uma frase parcialmente ilegível, efeito da idade, escrita a pena que ela gostaria que fosse “minhas memórias” seguida de datação do século XIX, do gênero de 1831-1892. Mas isso também era muito espetacular para acontecer com ela naquele sótão. Contentou-se em ler o que conseguia do caderno. Pareciam anotações a toa, sobre livros que o autor aparentemente lera... Essa distração a ocupou por algumas horas e por diversos cadernos.

Uma mulher no meio da sujeira do sótão estava sobre madeira morta, lendo anotações de um desconhecido. Sentia-se uma invasora, uma ladra de recordações, mas sentia-se bem. Era apenas uma mulher comum na sujeira do piso velho do sótão lendo lembranças que comprara junto com a casa.

Apenas uma mulher comum que não esperava nada de extraordinário da vida. Mas uma coisa extraordinária aconteceu. Naquela poeira toda do chão pousou uma pagina solta do caderno que ela acabara de retirar do baú. Uma carta, sem destinatário, escrita com letra tremida e borrada em algumas partes.

“Meu querido,
As noites têm passado demoradas e silenciosas nessa cidade vazia sem você. O mar parece que se cala às vezes para ouvir se eu choro ou não e sempre descobre que sim. À noite não tem mais lua sobre a nossa casa. Desde que você partiu não há mais estrelas. O céu também chora a sua perda. Esforço-me para acreditar que você vai voltar para os meus braços amanhã de manhã, mas eu não acredito nisso, na verdade. É tudo silencioso demais aqui para haver esperança, para haver desejo, para haver reencontros, para haver lua, para haver estrelas. É silencioso demais para não haver amor, para não haver saudades, para não haver lembranças, sempre de você.

Os dias têm se arrastado mais pesados do que nunca. Eu não resisto e choro.


Não há mais força, não há vontade de viver, obrigo-me a acordar todas as manhãs para esperar notícias suas. Minhas tosses pioraram, estou cada vez mais fraca, resistindo forçada, esperando que você volte. Esperando que você volte. Eu espero que você volte. Já não escreve mais cartas, mas eu acredito que esteja esperando uma possibilidade de voltar. Eu acredito que ainda queira voltar. Volta. Por favor.

Não estou mais resistindo, eu acho. Volta, antes que eu não esteja mais aqui. Antes que eu não possa voltar pra você. Volta pra mim e me diz que a sua última carta não aconteceu. Aquelas palavras me assombram de noite ‘Se eu não puder voltar, acredita que eu tentei e que eu te amei. Se eu morrer aqui, acredita que nos reencontraremos’, mas eu não consigo mais acreditar. Essa noite está muito fria para eu acreditar em qualquer coisa e a lareira não está acesa.

Eu sinto que devo me despedir. Meu amor, eu não acredito que escreverei outra carta. Não acredito que poderei. Está tão frio... eu não acho que vou acordar amanha depois do frio dessa noite. E se toda essa neve me cobrir? E se você chegar e me encontrar aqui, coberta pelo frio da distância entre nós? Coberta pela solidão maciça no meu quarto? E se você chegar? Quem te abraçará? Quem pegará o seu casaco e te dará as boas vindas? Quem vai dizer que te ama? Quem vai te dizer boa noite?

É tarde agora, muito tarde. Essa vela está acabando. E eu ainda não te disse adeus. Eu não quero te dizer adeus. Eu não quero...

Eu preciso dormir, meu amor. Dormir e não acordar. Não preciso mais acordar. Boa noite, meu querido. Adeus e boa noite.”

Uma mulher sentada na poeira do sótão com uma carta na mão e lágrimas rolando pelo rosto. Uma carta que podia ser mentira, uma carta desconhecida, que nem fora enviada. Mas uma carta de adeus. Ela chorou por não ter ninguém a quem dizer um adeus como aquele. Ela chorou por não ter quem amar, quem a amasse. Ela chorou porque alguém teve que dizer adeus à vida no meio do abandono do inverno e tudo o que ela tinha era uma carta.

Ela chorou porque tudo o que ela tinha era um baú, um sótão e uma escada. Apenas madeira morta. Como ela.

12 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eu ameiiii
targico³³³³
adorei mais uma vez!
;}


te amo demais

=****

09 outubro, 2005 21:47  
Anonymous Anônimo said...

huiahuihauhauiha...beeeeeeeeemmmm melhor sem pop up...hhauihauihuiaha....mto lindo o seu "miniconto"...adorei....carta bunita...gostei....mas axo q ia gostar mais de os manequins chorassem tbm...e depois matassem a mulher arvore pra q ela descobrisse q td q os filmes mostram eh verdade (acontece na vida..acontece nos filme e na vida de novo)....mas fazer o q neh...eh a vida....


te amooooooooooooooooooooooooooo

09 outubro, 2005 21:59  
Anonymous Anônimo said...

huiahuihauhauiha...beeeeeeeeemmmm melhor sem pop up...hhauihauihuiaha....mto lindo o seu "miniconto"...adorei....carta bunita...gostei....mas axo q ia gostar mais de os manequins chorassem tbm...e depois matassem a mulher arvore pra q ela descobrisse q td q os filmes mostram eh verdade (acontece na vida..acontece nos filme e na vida de novo)....mas fazer o q neh...eh a vida....


te amooooooooooooooooooooooooooo

09 outubro, 2005 21:59  
Anonymous Anônimo said...

hiuahuhauihauihauiha...comentei 2 vezes sem querer...huahuiahuihauihauahiah.....opsss....

:**********

09 outubro, 2005 22:00  
Anonymous Anônimo said...

oooooooooooooi! mto lindo... mto mto lindo, adorei!! admito que pulei a parte da carta da mulher, mas ta mtooooooo lindo, perfeito como quase tudo o que vc escreve... ahm, chega uhahua... parabens mesmo moço {: tchau! boa noite... nao... abra uma janela comigo e eu falo boa noite por la uhauhh... tchau o/

09 outubro, 2005 22:02  
Anonymous Anônimo said...

acho que essa musica representa exatamente o que a moça do seu conto está sentindo...

Karma Police, arrest this man, he talks in maths
He buzzes like a fridge, he's like a detuned radio
Karma Police, arrest this girl, her hitler hairdo, is making me
feel ill
And we have crashed her party
This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us

Karma Police, I've given all I can, it's not enough
I've given all I can, but we're still on the payroll
This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us
And for a minute there, I lost myself, I lost myself
And for a minute there, I lost myself, I lost myself

For a minute there, I lost myself, I lost myself

muitos beijos

09 outubro, 2005 22:17  
Anonymous Anônimo said...

que feio, pensei que fosse uma cronica :| tecnicamente seria, sem a carta... soooo, eu li a carta agora, depois que o luy disse que era o principal huauhah! mto bonita tbm! ahm... a proposito, parabens pelo blog huahua... eu teria um só pra ter um comentario como o da bala de morango... foi comovente ler aquilo uhahuah... bom, tchau o/

09 outubro, 2005 22:18  
Anonymous Anônimo said...

um conto!!!!!

09 outubro, 2005 22:26  
Anonymous Anônimo said...

eu gosto de jardins com temas mexicanos...quando naum sao exagerados...ehh...eu axo q eh assim q eu gosto de jardins mexicanos....sempre naum mto exagerados....

09 outubro, 2005 22:28  
Anonymous Anônimo said...

soh mais amanha!!!!dai td acaba!!!eeeeeeeeeeeee!!

09 outubro, 2005 22:30  
Anonymous Anônimo said...

to escrevendo meu nome sem c grandao...:/
q triste

09 outubro, 2005 22:32  
Anonymous Anônimo said...

naum foi...pq naum vai?//eh vc q naum deixa??/malvadooo!!!
:/

09 outubro, 2005 22:33  

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