domingo, outubro 23, 2005

Folhas Caídas

A rua que ela descia parecia deserta. Eram nove da manha de um domingo. Céu encoberto. Um daqueles dias quando não se tem sombra. A primeira folha do outono caiu bem na sua frente, mas ela não sabia disso e apenas passou por cima dela.

Sua caminhada não a levava a nenhum lugar muito especial. A padaria era apenas parte da sua rotina. O caminho era longo, mas ela gostava dele assim. Tinha mais tempo para observar a paisagem. No meio do caminho duas crianças de rua a abordaram. Odiava esse tipo de coisa. Dinheiro, comida... é claro que não tinha nada para lhes dar... se tivesse comida, eles veriam os pacotes, se tivesse dinheiro pagaria alguém para agüentar esse tipo de coisa em seu lugar. Ela fingiu não as ver e continuou observando as árvores e se lembrando que logo as folhas sujariam todo o seu gramado e ela teria que juntá-las e jogá-las. Perto de uma avenida acontecera uma batida na noite anterior. Com certeza um daqueles jovens malucos que tentou acabar com a vida. Isso acontecia sempre, ela achava. Por isso nunca tivera filhos. Nem se casara. Nem namorara. Nem amara alguém. Nem fora amada. Nem nunca encontrara alguém que prestasse. Hoje em dia não havia mais dessas pessoas. Todos eram almas perdidas e ela, ela podia ver isso muito bem... bastava sair de casa para ver um desses, ou uma dúzia.

Seus pés começaram a doer... culpa das calçadas tortas... a prefeitura nunca as consertara... Culpa daquelas árvores gigantes que haviam por aí. Por que não as cortavam? Quem precisava delas, na realidade? Sempre tortas... haviam torcido seu pé já, uma vez, há alguns anos. Um homem de meia idade bem aparentado a ajudara e se oferecera para levá-la para o hospital, mas ela não confiaria em um estranho. Pediu q ele a deixasse em casa, pos realmente não poderia andar. No entanto, parou do outro lado do quarteirão e só se arrastou até a própria casa depois que o estranho tinha partido, para que ele não a pudesse ver ou seguir. Mas hoje não se machucaria. Aprendera a prestar mais atenção nas calçadas depois do incidente.

Continuou até a padaria. Comprou tudo o que precisava e começou o caminho de volta para casa. A cidade aos domingos é tão vazia. Tão insegura. E ela andando sozinha pelas ruas de lojas fechadas. Mas nem todas as lojas estavam fechadas. Uma livraria estava abrindo quando ela passou em frente. Uma placa indicava que aquele acontecimento se devia ao fechamento definitivo da loja, que estava fazendo uma queima de estoque. Decidiu passar lá depois do almoço, para ver se algo a interessava. Estava mesmo querendo um livro sobre plantas ornamentais caseiras e seus cuidados. Adorava cuidar de plantas. Não se sentia tão sozinha com plantas a sua volta.

Almoçou sozinha como sempre e, como sempre, sobrou comida. Considerou, como costumava fazer às vezes depois do almoço a possibilidade de comprar um animal para animar a casa. Não... animais são traiçoeiros, interesseiros. Só ficam com você porque você os alimenta. Conhecia esse tipo de seres. Pessoas assim, inclusive. Era só sair de casa para ver uma ou uma dúzia dessas.

Tomou o caminho para a livraria. Ao chegar foi perguntar ao vendedor onde poderia encontrar os livros que queria, mas como ele não parecia confiável achou melhor procurar sozinha. Haviam outras duas pessoas na loja, além dela e do vendedor. Dois homens. Um bebia café enquanto lia um jornal pelo qual não pagara e o outro olhava os livros escolares. Esse segundo ela olhou por um tempo a mais. Ele reparou os olhares. Pareceu ficar com medo dela, ele não confiava em estranhos, e saiu da loja. Ela não gostou dessa desconfiança, mas fazer o que? Não era assim o mundo? Cheio de desconfiança?

Voltou a olhar pelas prateleiras pelo livro. Alguns minutos depois ela esbarrou em alguém. Virou-se assustada. Era o homem que saíra da loja. Encarou-o ainda mais assustada e ele pediu desculpas. Quis dizer alguma coisa, mas não conseguiu. No entanto, gostou que o homem tivesse se mostrado arrependido. Voltou a procurar o livro. O homem atrás dela, olhando a estante oposta. De repente ele se vira e se apresenta. Ela responde o próprio nome, mas nada mais. Ele ainda tentou conversar com ela mais uma vez, mas ela dava respostas curtas e evitava o contato com os olhos dele, apesar de sentir um desejo estranho de contar-lhe toda a sua vida, ou ao menos convidá-lo para jantar.

Como não conseguiram estabelecer um diálogo ele seguiu para a mesa do café, agora livre do outro homem, que saíra da loja, deixara o jornal lido jogado numa cadeira e não comprara nada. Ela se sentia estranha demais, então apanhou um livro qualquer, comprou-o e saiu da loja o mais rápido que pode.

À noite ela jantou sozinha. Muito tempo passaria e ela continuaria a jantar sozinha. Muitas crianças de rua falariam com ela e ela as ignoraria. Muitas vezes ela se queixaria das pessoas, da cidade, da vida. Muitas primeiras folhas de muitos outonos cairiam na sua frente e ela as ignoraria. Nenhum grande amor a encontraria numa livraria, por que ela ignorara o único.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

meo deuss
esse final tah perfeito!
gostei mto do conto.. x)

beijos biskate
amo vc
;*

23 outubro, 2005 21:43  

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