quarta-feira, janeiro 30, 2008

Saída de Emergência

Ele desligou o telefone detestando aceitar que talvez não fosse a pessoa certa e atravessou a rua, pro lado onde um homem mal vestido deitado parecia dormir debaixo de um pedaço de papelão rasgado. Não mudou de idéia, mas passou reto, sem olhar, fingindo que estava sozinho. No fundo, completamente certo e odiando admitir isso.

O problema era do caminho, da paisagem, e da lua minguante que estava já meio escondida atrás de um prédio que não era o dele, na frente do qual ele se torturava por perder alguém que não era seu, pra alguém que não era tão bom, por motivos que não faziam tanto sentido.

Pra que entender? Só mais uma história que acabava antes de começar. Uma como tantas outras. Ele queria uma saída pra algum lugar diferente, e a saída de emergência de um teatro velho já tinha sido dominada por prostitutas vendendo suas noites por pouca coisa. Ele queria abraçá-las e sentir-se uma delas. Mas ele não era. Ele sabia que não era. Não importava o que fizesse, jamais seria como uma dessas pessoas que tinham essa coragem. Isso doía.

Mais alguém que não o entendeu. Mais alguém que ele deixou no meio do caminho, antes de atravessar a rua e querer se sentir como outras pessoas que ele não era. Era preciso fingir que as coisas estavam nos seus lugares respectivos e acreditar que virando a esquina ele encontraria outra chance. A esquina chegou, mas não a chance. Assim como tantas outras, ela se deixou levar pela sua óbvia inabilidade. Ele não tinha culpa se não sabia ser como queriam. E ele só queria companhia, pra que o quarto fizesse mais sentido e a cama não fosse tão desnecessariamente grande.

Se sentia inspirado, sim, mas só pra escrever esse tipo medíocre de histórias tristes que ele tanto tinha pra contar. Tempo e experiência bestas e sem sentido que rodavam na sua frente, vertiginosamente, enquanto dois carros passavam e faziam escândalo para o ‘idiota no meio da rua’ que ele era naquele momento. Não que ele se importasse. Ele sempre detestou carros.

Voltar pra casa, pra que? Pra ficar ainda mais sozinho e escrever pra alguns desconhecidos esperando encontrar alguém que valesse a pena? E ele já não tinha encontrado? E ele já não tinha perdido? Mais uma pessoa certa na hora errada. Ele, que não acreditava na distância, e as tantas condicionais que se prendem entre os dois e só servem pra separar. Ele queria dizer que amava pra sempre, e só conseguia perguntar quando se falariam de novo. Quando ele teria um tempo pra esse bobo apaixonado que ele era. Quando sobraria espaço nos dias que pareciam estar cheios de tantos outros pra ele preencher. Quando é que não haveria outros. Quando seria a hora certa.

Com medo, ele preferiu se prender às ilusões do encaixe perfeito que eles pareciam ter. Era tão mais fácil acreditar assim. Ele fingia que não se ofendia. Ele fingia que não se importava. Enquanto ele ficava com outros esperando aquele outro chegar, ele se torturava pelo que os outros daquele estariam fazendo com o seu sonho. Cansado de sonhar com chances e tempo e lugares, ele foi pra cama e tentou dormir. Sem sucesso, mas não era novidade.

Seria algum novo costume, esse de não acreditar? Tudo o que ele sabia era que ele queria. Mas pra não se prender e afastar, ele se sentia obrigado a estar com outros. Obrigado a não parar de procurar alguém pra ocupar o espaço e preencher o tempo que aquele que ele tanto queria não preenchia e não ocupava. E, ainda assim, obrigado a não querer nenhum dos outros. Obrigado a afastá-los todos, ao primeiro sinal de encanto que eles tivessem. Preso em si mesmo, caçando o sol sem parar, ele sentia que os dias não passavam e as noites não aconteciam. Não havia uma saída e ele só queria ir pra qualquer outro lugar.

O importante era a companhia. Mas se ele aceitasse que era assim, não haveria aquela companhia. Fechou ou olhos enquanto tomava água se perguntando por que era tão difícil gostar de alguém. Quando o copo bateu na mesa, fazendo mais barulho do que deveria, ele percebeu que talvez fosse uma questão, mais do que de tempo e espaço, de pessoas e situações. E ainda sim, se negava a aceitar que não fossem um par e tanto.

Não era o suficiente. Ele não era o suficiente e era isso que ele ouvia gritando em seus ouvidos enquanto tentava dormir. Não era o suficiente pra alguém, de modo que os outros sempre seriam necessários pra ocupar os espaços que ele deixava abertos e pra tapar as feridas que ele não sabia onde ficavam. Odiava, odiava, odiava a idéia. No fundo, só queria ser feliz. Com aquele, com qualquer outro, ou sozinho, se bem que não acreditava de verdade que essa fosse uma opção.

Se castigava por ser tão novo e ainda assim, tão dependente. Sentado na janela, vendo o dia terminar, ele esperava que o telefone tocasse, que uma mensagem chegasse, que um aviso aparecesse, que alguém se lembrasse. Podia ser seu maldito aniversário. A festa era sua, e ele chorava sem motivos. Não tinha convidados. Era um dia qualquer. Ninguém pra fazer companhia e mentir que ele ia ficar bem. Ele precisava disso. Então ele se prendeu a outras idéias e se deixou cair no sono imaginando que algum dia alguém estaria ali ao seu lado esquerdo, pronto pra ser abraçado.

Ele se deixou cair no sono pedindo desculpas a ninguém em especial por talvez não ser a pessoa certa. Doía. Sem saída de emergência da sua própria cama, no dia seguinte ele acordou sozinho.





Henrique Rochelle Meneghini

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ai, que bom que eu sou feliz! Hauhauhau. ¬¬

Viver é tão difícil!
Nada melhor que ter As Horas e Closer pra esses momentos em que vc se sente fão feliz que tem vontade de fugir.

Felizmente, não tenho problemas com relacionamentos. Hauhauhau. ¬¬

=*

30 janeiro, 2008 21:48  
Anonymous Anônimo said...

Sabe, não é exatamente uma garantia - ser a pessoa certa, that is. Aliás, acredito que ser a pessoa certa muito cedo é garantia de sofrimento e de acabar por se tornar a pessoa errada, mais tarde. É preciso amar nossos demônios interiores. Afinal, com quantas pessoas você pode conversar em momentos como estes?

20 março, 2008 19:46  
Blogger Mau e Ana said...

uau!

06 junho, 2009 22:15  

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