quinta-feira, agosto 13, 2009

Tardia

Eu comi carne com mais gosto, mastigando mais forte, como se te ofendesse e te machucasse, pra ver se era mais fácil, se ficava mais leve, se parecia mais bobo e só pareceu mais sozinho e mais longe. Você atira pedras pra ver se me faz rir e desmorona o meu sorriso que eu mantinha só pra você. Eu tomei banho pra lavar de mim a saudade que eu não conheci, pra tirar do rosto essa cara de bobo de quem vai te esperar até perder a conta, depois que você perdeu os cento e quarenta e sete anos que nós vivemos juntos na última semana, na minha cabeça, nas minhas madrugadas, nas músicas que eu cantava enquanto fazia frio, como se fosse a estação e estivéssemos prestes a desfolhar. Outono dentro de mim, pra guardar lembranças como se estivessem caídas, cobrindo o cimento duro que te chama a atenção e era só uma parte de mim, ressecada de desespero, como se eu não soubesse que você não viria e ainda esperasse à porta você chegar, atravessar o mundo e sorrir na minha frente. E você não sorriria. Você não sorria, não sorriu. Eu desabo. Eu despenco e você nem faz questão. Era meu o olhar perdido do outro lado da calçada, que você não viu. Era meu o sonho do seu lado, e eu tenho inveja dos seus versos. Da vontade imensa de saber como eu ficaria na sua boca, sobrou tudo o que eu não te falei, engasgado por um gole maior do que eu dei conta. Eu me afoguei. Como se fosse primavera fora de época, uma semente encharcada por uma chuva que não devia ter vindo. Uma flor murcha de uma estação sua que ficou por ter sido.







Henrique RM

segunda-feira, agosto 10, 2009

Tão Perto

Não tem sentido. Sentido nenhum nesse ‘boa noite’ perdido antes do que eu queria e mais tarde do que podia, que eu falo acenando de longe pra quem devia estar na cama do meu lado. Na cama, do seu lado, como se fosse a hora de dormir, de verdade, porque eu já perdi o nome disso aqui, desse sono enganado, dessa falta que me deixa de olhos abertos até às três da manhã, esperando alguma coisa diferente acontecer, pra eu dizer boa noite de novo, sussurrando nas suas costas que eu te quero e você ouvir baixinho, como se fosse vento pela janela na noite quente, com seu corpo grudado no meu como se fosse um, de mãos dadas como se fosse abrigo, de olhos fechados como se fosse mentira, de boca aberta como se fosse sonho, de pernas entrelaçadas como se fosse bom. Mas era escuro e sozinho quando eu me deitei aqui, cantando alguma coisa triste que me lembrava você e você não me ouviu porque eu estava longe e era noite e era tarde e eu devia estar dormindo, mas não conseguia, então eu ficava sentado escrevendo pra você, pra tentar deixar marcado em algum lugar que isso tudo me faz sorrir demais e o seu sorriso é o mais lindo de todos. Pra te dar boa noite até que fosse manhã, mesmo que fosse de manhã eu fechava os olhos de leve e abraçava o espaço vazio e disforme que se formava no vão da minha vontade, entre o colchão e o travesseiro, como se fosse espaço de sobra na hora de encontrar o sono que eu ignorei pra continuar te lembrando e te lembrando e te sorrindo e te cantando como se fosse amanhã e você estivesse comigo, como se fosse perto e eu te fizesse sentido, como se fosse tudo e isso fosse pra sempre. Eu dormi olhando pra trás, meio que esperando te ver ali, meio que tentando descobrir a que horas você iria embora e quando é que seria demais, por culpa dos dias, da estrada e do caminho todo entre a minha mão e a sua, que só se viam de longe, tão perto da carícia e tão distante do toque, como se fossem gêmeas, como se fossem as duas minhas, as duas suas. Como se fizesse frio e você estivesse aqui pra me esquentar, eu dormi olhando pra trás pra não ver a hora em que não seria o suficiente, quando eu voltasse pra casa, quando você voltasse pro seu dia e eu não tivesse mais você tossindo do meu lado e rindo em seguida e era tudo o que eu queria. Como se eu não soubesse ver o que vinha, eu troquei de lado na cama, como se te agarrasse, pra te acordar e tentar de levar pra dentro da minha noite e nunca mais levantar, te contar toda a história da minha boca na horizontal, debaixo do cobertor, arrancando a sua roupa, piscando rápido demais, vivendo rápido demais, como se fosse o fim e eu já soubesse e estivéssemos perto da despedida de novo, como se a vida toda fosse só essa noite e o quanto eu conseguisse guardar do seu rosto gravado nas minhas palmas, preso debaixo da língua, como o não sei o quê que faltou eu dizer pra nós dois largarmos esse mundo inteiro e vivermos debaixo da sombra de tudo o que eu imaginei te olhando sem parar e te acenando de longe e te dizendo em silêncio que eu queria, precisava estar com você, como se o sol se pusesse e com ele nós dois, como se fosse madrugada e eu não pudesse, não quisesse, não soubesse acordar desse jeito, dessa coisa, desse gosto que eu não experimentei e tem seu nome e está tão longe, tão longe, como se fosse dentro, como se fosse tanto que eu tivesse a certeza de que eu ia sorrir, só pra você me sorrir de volta e fazer sentido, como se fosse perfeito, como se fosse tão perto.







Henrique RM